II Marcha do MNU Itapecerica da Serra
Este ano o homenageado foi o octogenário Sr. Adonai Mascaranhas
O MNU – Movimento Negro Unificado de Itapecerica da Serra realizou em 26/11 a II Marcha MNU itapecericana, em comemoração ao mês da Consciência Negra. Este ano o homenageado foi o octogenário Sr. Adonai Mascaranhas, O Patriarca do Samba, o músico e sambista mais antigo de Itapecerica, da primeira formação da Escola de Samba Itapecericana Rosa Serrana. Kátia Trindade, coordenadora do MNU da cidade, justifica a homenagem: “Temos que dizer muito obrigada a tudo que ele tem feito, ele é a memória negra neste novembro negro. Trazemos as histórias, as narrativas dessas pessoas para a cidade, que são invisibilizadas”. O encontro iniciou na Praça Porcino Rodrigues, em frente ao Museu Histórico da cidade, que faz parte do Caminho das Baldeadeiras, local onde as mulheres negras da cidade trabalhavam coletando água em baldes e distribuíam para a população, quando ainda não havia água encanada, e terminou junto à Fonte das Baldeadeiras. Em 2021 foi homenageada Nhá Jorda, baldeadeira, mulher que representa esse momento histórico da mulher negra na cidade.
Participação de educadores e artistas da cidade e do entorno
A Marcha contou com a presença de políticos de Itapecerica da Serra, mas a participação maciça ficou por conta dos artistas e educadores ligados à luta antirracista na cidade e região. Dentre as educadoras presentes, estava a ativista antirracista, militante do MNU Professora Vanuza Donizeti, uma das coordenadoras do Coletivo Marielle de Itapecerica, atuante também nos sindicatos de professores e funcionários públicos da cidade, que prestigiou o evento: “Para mim é um privilégio participar novamente da Marcha do MNU de Itapecerica da Serra. É importantíssimo este resgate histórico de moradores negros que contribuíram e contribuem até hoje para história de nossa cidade. É preciso dar voz às negras e negros de nosso município. Já sofremos demais desta doença chamada Racismo Estrutural, que nos corrói a alma. É de extrema urgência que cuidemos de nossas partes que foram cortadas. Continuaremos na luta para impedir que continuem nos amputando. Fiquei emocionada ao ver um dos sambistas mais antigos de Itapecerica da Serra, o Sr. Adonai, exemplo de força”, declara Professora Vanuza.
Representando os artistas, estava o multiartista e músico Orikerê de Campina, que foi à Marcha junto ao Tropeiros da Serra, grupo musical do qual participa, que trabalha as tradições nordestinas do forró, xote, baião e xaxado: “Estamos este ano aqui para reforçar essa luta, que é nossa essência, para a conscientização de ser negro. É bonito ser negro, adoro nossa pele negra” declara Orikerê. Estavam na marcha também a atriz e escritora negra Viviane Neres, ativista em prol da Cultura e do Meio Ambiente em Embu das Artes e região, o Sambista Nego Raiz e sua esposa Mãe Denise de O’xum, ambos de Embu-Guaçu, Lucimeire Monteiro do itapecericano Espaço Novo Corpo Cia de Dança e o escritor Jones da Silva Carvalho, também de Itapecerica, que participou do evento lendo um de seus poemas.
Rubi França, Coordenadora do MNU de Taboão da Serra esteve presente também e reforçou a importância da Marcha: “Estamos aqui porque é importante mostrar para a população da cidade que existe um grupo de luta contra o racismo”.
Vitor da Trindade faz discurso contundente na Marcha
Vitor da Trindade, Diretor do Teatro Solano Trindade em Embu das Artes, neto do reconhecidíssimo poeta negro Solano Trindade, também esteve na Marcha e fez um discurso contundente. Para ele, apesar de reconhecer a presença do Prefeito da cidade, Francisco Tadao Nakano no evento, ficou incomodado por ter que agradecer por algo que deveria ser a regra. O prefeito de Itapecerica se limitou a dizer que “também sofre preconceito por ser japonês”, o que para Vitor demonstra desconhecimento da questão do preconceito racial em nossa sociedade: “Fiquei incomodado com o pensamento de que um representante do executivo participar é uma raridade. Ter a participação de outros prefeitos deveria ser natural, não deveria ser incomum”. Vitor ressaltou a importância das falas de outros grupos raciais, mas argumenta que comparar o preconceito contra o negro com o preconceito que sofrem esses grupos, como os japoneses ou ciganos (citando a cigana Haruna que esteve no ato) gera confusão. “É muito comum esse tipo de declaração do prefeito, mas não há comparação diante da gravidade do racismo contra os negros em nosso país. Diferentemente dos outros grupos, o negro foi desumanizado. Nossa luta ainda é para humanizar o negro, dizer que temos sangue, que sentimos dor, convencer a diretora evangélica da escola que existe racismo. Os japoneses ainda são considerados os inteligentes na escola”, arremata.
Em seu discurso na Marcha, declarou: “Nós somos pessoas pretas, que tem que ser escrito com P maiúsculo. Esses detalhes que a gente tem que repetir todo dia, de encarar todo dia. Não é novo, que os racistas estão aqui, eles estão há muito tempo, eles estão só na moda, podem falar: eu sou racista. Eu tenho um trabalho, iniciado por minha mãe (Raquel Trindade, escritora e artista plástica já falecida) que se chama ICAB – Identidade Cultural Afro-Brasileira, onde vamos às escolas, muitas escolas, e eu sempre faço a mesma pergunta para iniciar: quem neste local acredita que existe racismo? Todo mundo levanta a mão. Aí, eu faço a segunda pergunta: e quem é racista? Ninguém levanta a mão. Então, como num lugar onde 100% acredita que existe racismo, não exista nenhum racista. Esse é nosso problema”.
Depoimento da Professora Vanuza Donizeti sobre a importância da
Cultura Negra em Itapecerica da Serra
Tive o prazer de conhecer Nhá Emília, que se apresentou como irmã de Nhá Jorda, a homenageada da Marcha do MNU em 2021. Em 1986, ainda criança, sofri uma paralisia facial e os médicos falaram não ter cura, que meu caso seria cirurgia. Minha mãezinha querida, em busca de me ajudar a sair daquela situação, procurou um médico e na sala de espera, ao lado dela estava Nhá Emília, uma benzedeira, que dentro de seu conhecimento garantiu que meu caso seria curado com benzimento, que seria necessária uma novena, e foi realmente o que aconteceu. Minha mãe me levou ao encontro dela. Lembro até hoje de Nhá Emília me mostrando a mata gigantesca que tinha nos fundos de sua casa, falando sobre a importância daquele verde, que ali havia muitos animais, que tinha até onça. Confesso que fiquei com medo da onça. Cada encontro era um aprendizado. Me lembro de suas palavras, do poder de cada erva plantada em seu jardim, do poder da água em nossas vidas. Ela me deixou como lição que precisamos ser humildes e deter o conhecimento dos remédios e da cura que a natureza nos traz. Que sejamos fortes como estas mulheres, e busquemos cuidar da natureza e das crianças como elas cuidaram.
*por: Adriana Abelhão