Animais silvestres são dizimados em Itapecerica da Serra
Quase todos os dias, a Associação de Defesa do Meio Ambiente Preservar, sediada em Itapecerica da Serra, recebe fotos e relatos de animais silvestres mortos ou em situação de vulnerabilidade, em decorrência dos desmatamentos para loteamentos ilegais em Itapecerica e região. São exemplos relatos de bichos preguiça em lugares onde nunca foram vistos antes, em periferias de bairros urbanizados próximos aos desmatamentos, de saguis de tufo preto, mortos entre galhos e troncos de árvores derrubadas, tatus e ouriços cacheiros perambulando em sarjetas, feridos, e cobras fugindo de áreas devastadas, buscando abrigo nos quintais e apavorando a população. Os relatos são dramáticos, muitas vezes as pessoas estão desesperadas, em prantos, diante de árvores de mais de sete metros indo ao chão, terra revirada e animais feridos.
Um tesouro da biodiversidade da Mata Atlântica está sendo delapidado. São perdas irreversíveis de espécimes da nossa fauna e flora, nas áreas remanescentes de mata de Itapecerica da Serra e região. Essa devastação, há apenas 30 km do marco zero de São Paulo, centro da maior metrópole da América Latina, levada a cabo pelo crime organizado, tem como carro chefe os desmatamentos para loteamentos ilegais, com a omissão dos poderes Estadual e Municipal. As retroescavadeiras entram em áreas de mata e vão derrubando tudo o que veem pela frente, plantas, árvores e animais, para depois queimar. Como diz Carlos Bocuhy, Presidente do Proam – Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental: “Muito se fala da perda da flora, árvores e mata, mas há também perdas irreversíveis da biodiversidade, não podemos esquecer sua cadeia de vida que consiste em precioso patrimônio genético”.
Animais silvestres dizimados em áreas protegidas
Um dos casos mais emblemáticos ocorreu no Bairro do Crispim, em julho deste ano, ao lado da Escola Estadual Antônio Florentino. Uma enorme fazenda, uma pérola verde encrustada na populosa periferia de Itapecerica da Serra, com árvores nativas que abrigavam animais como o já citado sagui do tufo preto, endêmico do Estado de São Paulo, o esquilo caxinguelê, o gambá de orelha preta, o tucano de bico verde, o gavião carcará, periquitos maracanã, saíras, sabiás e várias espécies de anfíbios. A enorme devastação é facilmente avistada do Viaduto da Estrada M’Boi Mirim, mas parece invisível para a Fiscalização. A área foi totalmente desmatada sem qualquer licenciamento. A população fez inúmeras denúncias aos órgãos públicos, dezenas de ofícios sendo enviados para as polícias civil e militar, Prefeitura de Itapecerica da Serra e Promotoria Pública, mas nada foi feito para deter os criminosos. Os desmatadores mantiveram 50m² de árvores junto ao muro da escola, espécies que não forneciam alimento, mas ainda davam abrigo aos esquilos e a uma família de saguis com 11 indivíduos, entre eles duas fêmeas com filhotes, o que trouxe certo alento à comunidade local, sensibilizada com a situação dos animais, assim como as crianças que conviviam com os saguis e demais animais silvestres nas proximidades. Mas, inesperadamente, essas árvores remanescentes começaram a ser derrubadas. A população chamou a Polícia Militar Ambiental, que foi ao local, mas não conseguiu identificar os criminosos, que evadiram. Pelos animais nada pôde ser feito. O Policial Militar presente, Cabo Filismino, orientou a população que procurasse o IBAMA, órgão responsável neste caso para o resgate dos animais, mas a instituição já fora demandada há meses pela população, sem qualquer resposta.
Perda de mananciais em meio a maior seca dos últimos 100 anos
Mas a omissão não é somente do IBAMA. A região é protegida por lei específica, a Lei da Guarapiranga, arcabouço jurídico que protege as áreas de mananciais, para a garantia do fornecimento de água para a Região Metropolitana de São Paulo. Segundo Virgílio Alcides de Farias, advogado especialista em Direito Ambiental, ativista do MDV – Movimento em Defesa da Vida do Grande ABC, “A sociedade civil sai na defesa das águas, recursos hídricos e mananciais da Grande São Paulo, mas o Governo do Estado não cumpre a legislação”. Virgílio é ativo na representação da Sociedade Civil no Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê – CBH-AT, órgão colegiado que tem também representantes dos municípios e do estado e junto à sociedade civil e tem cobrado o Comitê quanto ao não cumprimento da Lei que determina a criação da Fiscalização Integrada, polícias civis, militares e órgãos de fiscalização municipais e estaduais integrados para a proteção dos mananciais. A Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente assim como as Prefeituras envolvidas nada fazem além de divulgarem na imprensa oficial ações isoladas e sem representatividade enquanto os criminosos, sem qualquer impedimento, continuam a desmatar, abrir ruas, instalar guias e postes de luz e canos de fornecimento de água, com a presença de funcionários da Sabesp em áreas ilegais. As perdas de áreas de mata ferem diretamente os mananciais, rios, lagos, córregos e nascentes da Bacia da Guarapiranga, responsável por 30% de toda água distribuída para a Região Metropolitana de São Paulo, às portas da maior seca dos últimos 100 anos, já anunciada pelos governos federal e estaduais, para as regiões Centro Oeste e Sudeste. Sem mata, sem água.
A perda da fauna e flora é crime de lesa humanidade, pois a região foi declarada Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo em 1994, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), por sua importância para a preservação de espécies da Mata Atlântica, a de maior biodiversidade do planeta, título que poucas regiões conquistaram. Uma cidade como Itapecerica da Serra, que registrava em 2018 28% de seu território coberto por Mata Atlântica remanescente, perde diariamente suas áreas preservadas por omissão dos poderes públicos, um tesouro que está sendo destruído antes mesmo de ser descoberto. O Biólogo e Primatólogo Rodrigo Mendes, nascido e criado em Itapecerica da Serra, lamenta que os desmatamentos tenham chegado a essa situação: “Toda essa história é muito triste. Se tivéssemos uma Prefeitura mais organizada, um Centro de Triagem de Animais competente, se tudo funcionasse como deveria, as coisas não teriam chegado a esse ponto”. Os saguis vocalizam com silvos, e suas vozes são ouvidas cada vez mais longe, perdidas nos novos arruamentos de terra batida, em telhados e muros, condenados a perecer, perdidos em busca de sua sobrevivência.
*por: Adriana Abelhão
Este absurdo tem que ser punido
Se é área particular tem um registro em cartório e deve ser chamado a responder. Se é área pública o administrador executivo tem que ser chamado a responder pela omissão e crime ambiental.
Sergio, obrigada por seu comentário. As informações estão nas Prefeituras, os anúncios de vendas de lotes estão em toda parte, virtualmente ou nos postes. BOs são feitos, denúncias lavradas, por que ainda continuam? Onde está a Fiscalização, onde está o Estado?
Cuide da natureza assim vc cuida da vida!!!
É muito triste ler noticias assim. Dá um nó na garganta. Prefeitura tem que entrar em ação! Nao dá para esperar mais.