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Conspiração dos negros Haussás na Bahia de 1816

A revolta apresenta sinais de alta mobilização de cativos e um sistema de comunicação surpreendente para os padrões dos levantes contemporâneos a ela. Delatada e documentada em virtude do depoimento de um escravo da etnia hHussá pertencente a um tal José Ferreira da Silva às autoridades locais, disseca as relações entre os amotinados e suas formas de proceder visando a integração dos negros, forros e escravos, da cidade (com exceção dos jejes) e da região do interior denominada Recôncavo Baiano onde residiam a maior parte dos engenhos detentores de mão de obra escrava. De acordo com o relato oficial documentado pelo escrivão do Desembargador Ouvidor Geral do Crime de Salvador, doutor Antonio Garcez Pinto de Madureira, as ramificações estabelecidas em prol da revolta se estendiam dos quilombos instalados nos arredores da cidade e do dito Recôncavo até os chamados negros de canto (grupo de escravos e libertos provenientes do mercado informal de trabalho urbano como estivadores, carregadores ou ganhadores), estes últimos apontados como os líderes da revolta por sua mobilidade e organização.

Orientado pelas autoridades a instruir seu escravo, chamado Germano, a participar das atividades revoltosas para conhecer seus objetivos e lideranças, José Ferreira da Silva declarou juntamente com Germano os planos da revolta expondo a colaboração de remanescentes do último levante haussá de 1807 (duramente reprimido pelo Estado) e de indígenas que “queriam a sua terra que os Portugueses lhes tinham tomado”. Levado pelos conspiradores às matas do Sangradouro, Germano foi informado dos planos de procedimento do levante, estipulado para o dia de São João e da localização dos esconderijos dos armamentos. Contudo, os destacamentos militares deslocados à região não encontraram nada mais que pontas de flechas e madeira para os cabos. Aparentemente houve uma suspeita de delação e os planos dos rebeldes perturbaram-se demais para constituírem uma real ameaça à ordem pública.

Independente do desenrolar das ações, a conspiração de 1814 possibilitou um olhar mais crítico às relações étnico-políticas dos cativos baianos vindos do tráfico atlântico português. Tido como um movimento integrador de diferentes grupos e classes e liderado por um grupo de trabalhadores (haussás) urbanos, o vívido relato dos preparativos da revolta permite um olhar analítico das interações e mudanças do movimento de resistência negro e suas consequências na sociedade da época. Desencadeada num contexto de inquietação política metrópole-colônia, com os conflitos que levaram à queda do regime colonial (1822) e o quadro de subsequentes levantes de cativos, principalmente na primeira metade do século XIX na Bahia, a Revolta dos Haussás, como ficou conhecido o movimento, expõe alguns pontos recorrentes dos confrontos entre escravos e seus senhores em tal período.

Esse texto e as informações sobre o documento [Noticia do levantamento dos negros projetado na Bahia em 1814] disponíveis no site Impressões Rebeldes são de autoria de Clarissa Pires, Edilson Menezes, Hugo Fidalgo e Vinnícius Crespo, alunos do curso de graduação em História da UFF. Trabalho realizado para a disciplina “Revoltas e Revoluções na Época Moderna: Europa e Brasil Colônia” no 1º semestre de 2014.

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