Itapecerica da Serra recebe, no dia 30/11, show de pré-lançamento do álbum “Vozes Vissungueiras”
Itapecerica da Serra recebe, no dia 30/11, show de pré-lançamento do álbum “Vozes Vissungueiras”, que resinifica cantos afro-mineiros com convidados como Juçara Marçal, Tiganá Santana e Sérgio Pererê
Com direção musical de Salloma Salomão e curadoria de Rita Teles, Luciano Mendes e Joana Corrêa, o disco, que também reúne um grupo de oito músicos, é uma iniciativa do Núcleo Coletivo das Artes Produções em parceria com a Plataforma Garimpar em Minas Negras Cantos de Diamante e o Mukuá – Laboratório de Estudos sobre Vissungos, núcleos de pesquisa em torno das tradições bantu em Minas Gerais
O Parque do Povo, em Itapecerica da Serra, será palco do show de pré-lançamento do álbum “Vozes Vissungueiras”, trabalho que leva ao público novas versões de cantos ancestrais da diáspora centro-africana em Minas Gerais no final do século XIX. A apresentação ocorre no dia 30/11, às 15h
O projeto musical idealizado pela produtora Núcleo Coletivo das Artes Produções em parceria com a plataforma Garimpar em Minas Negras Cantos de Diamante e Mukuá – Laboratório de Estudos sobre Vissungos, reúne um grupo de artistas, músicos e pesquisadores que buscam ressignificar a tradição dos vissungos que é, ao mesmo tempo, memória coletiva e resistência cultural.
Sob a direção musical do historiador e multiartista Salloma Salomão, e curadoria da produtora e atriz Rita Teles, do artista cênico e pedagogo teatral Luciano Mendes e da antropóloga e gestora cultural Joana Corrêa, o disco propõe uma escuta contemporânea dos cantos de origem bantu que ecoam há séculos na região do Alto Jequitinhonha, em Minas Gerais, e resultou de um longo percurso de pesquisas confluentes que unem arte e viver acadêmico. O projeto para a gravação de Vozes Vissungueiras foi contemplado pela Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB) através do edital Fomento CultSP-24-/2024 do Programa de Ação Cultural (ProAC).
“A concepção do projeto nasce de uma provocação minha ao Luciano, com quem comecei a trabalhar em 2017”, conta Rita, idealizadora e produtora do álbum. “Temos um material vasto, fruto de anos de pesquisa, e o disco é um desdobramento natural desse processo. Considero que é um compromisso, como artista da cena, levar os vissungos ao público. Considero que esse é um movimento, um chamado de ancestralidade. Os cantos, que supostamente estão em processo de desaparecimento, nunca morrerão porque seguirão vivos nas vozes das pessoas, dos novos vissungueiros”, complementa.
Com participações de Juçara Marçal, Tiganá Santana, Sérgio Pererê e do mestre vissungueiro Enilson Viríssimo, as sessões de gravação, realizadas no Mocambo Digital, estúdio de Salomão, sediado em Itapecerica da Serra, em São Paulo, reuniu um grupo de músicos negros, composto pela própria Rita Teles e Graciela Soares (vozes), Otis Selimane (percussão), Luciano Mendes (voz e percussão), Di Ganzá (cordas), Marcelinho Dendém (baixo) e Salloma Salomão (voz e flauta). O álbum também conta com a participação do multi-instrumentista Gui Braz que, além de atuar como assistente de Salomão, somou na gravação de algumas faixas, acrescentando flauta, baixo, violão, guitarra, percussão e timbila, um tipo de xilofone originário do povo Chopi de Moçambique.
Pesquisa e repertório
Os cantos gravados no disco foram transmitidos ao longo dos séculos pela oralidade entre cantadores das comunidades quilombolas do Baú e do Ausente, no distrito de Milho Verde, em Serro; e da comunidade quilombola do Quartel do Indaiá, no distrito de São João da Chapada, em Diamantina. O material reunido envolveu os cantos guardados na memória do mestre vissungueiro Enilson Viríssimo; além de cantos registrados ao longo da década de 1930 pelo pesquisador Ayres da Mata Machado Filho (1909 – 1985) e cantos apresentados por Joaquim Caetano de Almeida, José Paulino de Assunção e Francisco Paulino, registrados fonograficamente em 1944 pelo etnomusicólogo Luiz Heitor Corrêa de Azevedo (1905 – 1922). Este material se encontrava na Biblioteca do Congresso de Washington e foi reunido pela pesquisadora norte-americana Victoria Broadus, integrante do Mukuá.
Composto de 15 canções, o repertório de Vozes Vissungueiras parte de quatro elementos: registros orais contemporâneos coletados nas comunidades do Serro e de Diamantina; algumas das partituras reunidas pelo filólogo e linguista Machado Filho no livro O Negro e o Garimpo em Minas Gerais (1943); registros sonoros feitos por Corrêa de Azevedo; e temas presentes no repertório do clássico álbum O Canto dos Escravos, que foi lançado em 1982 pelo selo Estúdio Eldorado, reunindo 14 vissungos entoados por Tia Doca da Portela (1932-2009), Geraldo Filme (1927-1995) e Clementina de Jesus (1901-1987) com a participação dos percussionistas Papete (1947-2016), Djalma Corrêa (1942-2022) e Don Bira (?).
Com um primeiro single, Andambi, divulgado em 11 de novembro, Vozes Vissungueiras será lançado nos palcos em dois shows: em Itapecerica da Serra (30/11), encerrando a programação do Mês da Consciência Negra no Parque do Povo; e no Centro Cultural São Paulo (13/12), três dias após o lançamento oficial do conteúdo do disco, na íntegra, nas plataformas digitais (11/12). Segundo Joana, mais do que criação artística, o projeto curatorial que agora culmina no álbum coletivo de exaltação à tradição afro-mineira articulou pesquisas e práticas comunitárias.
“Bem mais do que documentar um saber ainda latente, nossa proposta foi construída em diálogo com as comunidades detentoras desses conhecimentos, em torno de uma ideia reparatória, de fazermos um processo devolutivo desse material. Vozes Vissungueiras tem um papel fundamental de mostrar como a memória pode ser ressignificada de forma contemporânea no tempo. É uma reparação, uma restituição e um direito à reinvenção dessa memória”, explica.
A antropóloga vive desde 2013 na região de Milho Verde, no Alto Jequitinhonha, onde desenvolve projetos de inventário cultural e audiovisual. Foi por meio de suas relações com as comunidades locais que o grupo chegou a Enilson Viríssimo, filho do renomado mestre vissungueiro Antônio Crispim Viríssimo, já falecido. Enilson participa do disco não só como cantor, mas como guardião de repertórios transmitidos oralmente, contribuindo para a reconstrução de cantos que jamais haviam sido registrados.
Formado por pesquisadores de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e dos Estados Unidos, o trabalho do Mukuá foi central para a conceituação do projeto fonográfico. Além do álbum, o grupo atualmente realiza um documentário sobre o vissungo na região de Serro e Diamantina, produzido por meio de incentivos da Lei Paulo Gustavo, e um Inventário da Diversidade Linguística do Vissungo com apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
“Vissungo do século XXI”
A concepção artística de Vozes Vissungueiras, de acordo com o diretor musical convidado, também reflete a busca por uma escuta crítica da história. “O repertório do álbum O Canto dos Escravos ocupa muito do nosso imaginário quando falamos de música de tradição africana no Brasil. Então, nosso primeiro exercício foi descompactar o pensamento com base no disco, tentar nos apartarmos dos arranjos que estão lá para, depois, trazer o material registrado pelos pesquisadores Ayres da Mata Machado Filho e Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, para nos alimentarmos de percepções novas sobre esses repertórios e, ao mesmo tempo, ver com o Enilson quais são as musicalidades que ele gostaria de colocar no álbum. São esses quatro aspectos que vão nortear a conceituação de cada uma das obras. Seja em termos de arranjo, seja em termos dos timbres que a gente vai colocar no disco, eles apontarão para um vissungo do século XXI”, explica o historiador, músico e compositor.
Salomão relaciona, ainda, a construção sonora de Vozes Vissungueiras ao debate mais amplo sobre o reconhecimento da herança bantu e da formação afrodiaspórica na cultura brasileira. “Nós somos não só a base econômica e social do país. Nossos valores civilizatórios também são base simbólica da sociedade brasileira. E é compreensível que eles inundem o Brasil, porque têm sido apagados, têm sido apartados e têm sido suprimidos pelo racismo, sobretudo em seu aspecto mais difícil de compreender, que é o racismo cultural. Uma modalidade muito específica de racismo, porque ela não atinge diretamente o corpo da pessoa. Atinge aquilo que as pessoas trazem de mais sofisticado, que são seus sentimentos e pensamentos. Então, é disso que estamos falando. Ao acessar um recurso público, esse projeto cria uma dimensão política muito importante para fazer convergir inúmeras experiências individuais e coletivas que vão resultar em algo tangível, que pode ser comunicado publicamente através do show, através do disco e através das pessoas que viveram e viverão essa experiência”, complementa o diretor musical.
Para o artista cênico e cocurador Luciano Mendes, o álbum, particularmente, representa uma expansão do percurso iniciado em seu projeto cênico Garimpar em Minas Negras Cantos de Diamante, que culminou em uma quadrilogia teatral baseada na poética e nas sonoridades afro-mineiras.
“Esse álbum tem como um dos focos o diálogo com O Canto dos Escravos, mas ele explora outros caminhos de arranjos vocais e instrumentais, com a feliz presença do Enilson, um herdeiro legítimo da tradição vissungueira. Com essa junção entre tradição e contemporaneidade, contextualizada para a musicalidade negra urbana de hoje, creio que esse álbum vai instigar quem se interessa pelas sonoridades afrodiaspóricas. Como dizem os antigos griôs: ‘Se a tradição não se movimenta, não há encontro’. Vozes Vissungueiras mostra como a tradição pode se mover, gerar novos encontros e seguir sendo transformada”, conclui Mendes.
SERVIÇO
Show de Pré-Lançamento do álbum Vozes Vissungueiras
Data e local: 30/11, domingo, às 15h – Parque do Povo – Itapecerica da Serra
Para mais informações e acompanhar bastidores sobre a produção do álbum, siga o perfil @vozesvissungueiras no Instagram.
Ficha Técnica Vozes Vissungueiras
Curadoria: Luciano Mendes, Joana Corrêa e Rita Teles
Produção executiva e musical: Núcleo Coletivo das Artes Produções
Direção de produção: Rita Teles
Assistentes de produção: Jaqueline Rosa, Rosy Silwa, Pedro Lucas
Gravação: Estúdio Mocambo Digital
Direção musical: Salloma Salomão
Arranjos: Salloma Salomão e Gui Braz
Assistente de direção musical: Gui Braz
Mixagem e masterização – Nilson Costa (Audiocompany)
Percussão: Gui Braz, Luciano Mendes, Otis Selimane, Salloma Salomão
Cordas: Di Ganzá
Baixo: Marcelinho Dendém, Gui Braz
Violão e guitarra: Gui Braz
Flauta: Gui Braz, Salloma Salomão
Timbila: Gui Braz
Vozes: Graciela Soares, Luciano Mendes, Mestre Enilson Viríssimo, Rita Teles, Salloma Salomão
Artistas Convidados: Juçara Marçal, Sérgio Pererê, Tiganá Santana
Cobertura audiovisual: Fernando Solidade
Identidade visual: Silvana Martins (Estúdio Aruêra)
Social media: Talita Belltrame
Coordenação de som (shows): Luiz Araújo (Jaraguá Dub)
Designer de iluminação: Dedê Ferreira
Acessibilidade (libras e audiodescrição): Mão Preta Libras
