Quilombo do Jabaquara
O Quilombo Jabaquara constituído em 1882, é produto não só dos libertos e fugidos da região, mas também das demais regiões paulistas. Isso por conta da “disposição santista como um reduto de caifases e militantes abolicionistas”. O terreno, arrendado aos negros por um italiano, contou com 2 a 20 mil “subtraídos à escravidão” ao longo dos 6 anos de funcionamento do quilombo.
O Quilombo do Jabaquara foi o mais famoso da região de Santos/Sp, um dos maiores do Brasil e estima-se que tenha abrigado 10 mil escravizados. Fundado em 1882, por iniciativa dos abolicionistas da elite santista Américo Martins e Xavier Pinheiro teve como líder o negro alforriado Quintino de Lacerda. Quintino arrebanhava os fugitivos, os recebia na comunidade e expulsava os capitães-do-mato que os perseguiam.
O Quilombo do Jabaquara era de difícil acesso, atrás da Santa Casa Velha de Santos. Ocupava um extenso espaço perto do Morro do Bufo, logo após a saída do túnel Rubens Ferreira Martins, formado por uma série de pequenas casas ligadas entre si e por um grande barracão, onde também havia um armazém para fornecimento de alimentos. Os encontros, reuniões, descanso e festejos aconteciam no pátio em frente ao terreiro.
Em Ventos do Mar, Maria Lúcia Gitahy registra como o historiador José Maria dos Santos, autor de Os Republicanos Paulistas e a Abolição (1942, p. 183), descreve o quilombo do Jabaquara: “construíram de madeira, de palha, de taipa e de folhas de zinco numerosas barracas e habitações ligeiras de todos os gêneros. Abriram-se caminhos, criou-se um pequeno comércio de varejo e, como por encanto, surgiu da noite para o dia a mais desconchavada e pitoresca das cidades, toda cercada de roças, com o azulado fumaçar dos fornos de carvão vegetal a cobri-la perenemente.” (GITAHY,1992, p.34)
Quintino, o líder do Quilombo do Jabaquara
Negro sergipano, Quintino de Lacerda chegou a Santos como liberto, ex-escravo da família Lacerda. Tinha bom relacionamento tanto com negros e negras quanto com a elite branca santista. Alguns membros dessa elite, por exemplo, cederam terras para a instalação do Quilombo do Jabaquara e indicaram Quintino para coordená-lo.
Foi um dos maiores quilombos do Brasil: os dados variam entre 3 mil e 10 mil o número de negros e negras que teriam se abrigado ali (região onde atualmente está o centro de treinamento do Santos, o Morro do Fontana, a subida do Morro do Jabaquara).
Apesar da sua importância na luta pela libertação dos escravizados, Quintino tem sido visto como figura controversa, justamente por sua proximidade e trânsito entre as elites. É um aspecto interessante que permeia a história do Quilombo do Jabaquara. Verdade que Quintino tinha bom trânsito entre a elite. No entanto, sua atuação no quilombo, no apoio ao fugidos das fazendas do interior paulista, à luta em defesa da República e, principalmente, pela colocação de libertos e libertas no mercado de trabalho foi importantíssima. Inclusive, ele utiliza-se dessa relação com brancos endinheirados para abrir caminhos. Claro que há controvérsias e paradoxos. Quem não os tem?
Quintino era frequentemente elogiado por respeitados senhores que se diziam abolicionistas, como Silva Jardim. Elogios – bom que se diga – carregados de preconceito e espanto com a ‘capacidade’ de um homem ‘negro excepcional’, como fica evidente nesta declaração de Silva Jardim registrada por Ana Lúcia Duarte Lanna no livro ´Uma cidade em Transição – Santos (1870 a 1913)`:
“O bom preto tornara-se garantia de ordem para a cidade, exercia o cargo de inspetor de quarteirão e era como tal muito estimado… Tinha todas as qualidades físicas de chefe, era modesto, gastava com os seus as suas economias, era humilde (não abraçava os líderes, brancos é claro, do movimento que iam visitá-lo), era bom pai e amava sua companheira… Prova que mérito mesmo intelectual não está só com letrados; porque ele vira claro sua missão, excelente negro! Demonstração palpável de que sua raça podia produzir tipos dignos.” (LANNA, 1996, p.192)
Uma espécie de bate e assopra, destacando as habilidades físicas, ao mesmo tempo em que ressalta o fato de Quintino ser analfabeto. Ora, o que Silva Jardim queria dizer, na verdade, era algo que ficou no imaginário do branco ´civilizado`: o bom preto, o ‘preto de alma branca’.
Quintino foi inspetor de quarteirão, liderou o Jabaquara e foi arrendatário e administrador de Benjamim Fontana, imigrante que tinha propriedade de terras justamente nas cercanias da área onde fora instalado o quilombo. Participou de forças leais à República, na Revolta da Armada (1893), foi condecorado como Major Honorário do Exército. Por esse esforço, foi homenageado e presenteado com um relógio de ouro, outro aspecto bastante ressaltado nas citações.
“Quintino envolveu-se na política das elites sempre como força mediadora entre elas e as classes trabalhadoras negras. Esse papel lhe conferiu destaque em momentos cruciais da política local. (…) Os cargos e funções a ele reservados tiveram sempre uma função coercitiva: inspetor de quarteirão, major do exército, inspetor sanitário. Entretanto, estes cargos não lhe garantiram a propriedade da terra e moradia na área do antigo quilombo”, escreve Ana Lanna (p.194-195).
O terreno onde Quintino de Lacerda morava, no Jabaquara, pertencia ao imigrante italiano Benjamim Fontana, propriedade essa que era questionada pelos empreendedores Cândio Gaffrée e Eduardo Guinle, entre outros interessados, principalmente com o início das obras de infraestrutura na cidade. Logo após a Abolição, no mesmo ano de 1888, veio a autorização para a construção do primeiro trecho de cais do porto e essa batalha se intensificou. O que era quilombo deveria ceder lugar à pedreira que forneceria material para as modernizações. O próprio Benjamim Fontana passou a reivindicar sua área.
“O antigo comandante do quilombo passou a ser um incômodo perante as novas possibilidades de uso e exploração destes terrenos. E isso parecia agora, já na virada para o século XX, mais importante do que a necessidade de garantir ordem para a cidade, reprimindo os ‘ímpetos naturalmente bárbaros da negrada'”, afirma Lanna (p.211).
Quintino também arregimentava negros para trabalharem na pedreira que tomou o lugar do quilombo e no porto. Inclusive, nas primeiras paralisações do trabalho, no final do século XIX e início do XX, os trabalhadores negros foram acusados de ´fura-greves` pelos operários, principalmente imigrantes europeus.
Eleito vereador, Quintino de Lacerda sofreu boicotes e preconceitos (negro e analfabeto). Parlamentares que se opunham à presença do líder quilombola tentaram destituir a Câmara Municipal. Quintino foi à Justiça – mais uma luta – e ganhou o direito de assumir o cargo.
Quintino de Lacerda morreu em 10 de agosto de 1898, aos 43 anos. No dia seguinte, de acordo com os jornais A Tribuna do Povo e Diário de Santos, uma multidão tomou as ruas para acompanhar seu enterro no cemitério do Paquetá. Os jornais estimam que entre 800 a 2 mil pessoas seguiram o bonde especialmente preparado para a ocasião.
Pesquisa: Jose Lucas/Folha do Pirajuçara
Fontes: http://www.resjeroteirosbaixadasantista.prceu.usp.br/ https://www.novomilenio.inf.br/ https://mapamnt.procomum.org/